Por trás do café da Starbucks
Em uma fazenda no sul de Minas Gerais, no município de Ilicínea, um jovem de 16 anos colhe café – contrariando o disposto na Lista de Piores Formas de Trabalho Infantil1 , que proíbe empregar menores de 18 anos em atividades que envolvam carregamento de cargas pesadas e exposição ao sol ou chuva sem proteção. O rapaz viajou 1,6 mil quilômetros entre sua casa, no estado da Bahia, até a lavoura, e diz ter pago pelo transporte mesmo estando previamente contratado para o serviço – outra situação vedada pelas normas trabalhistas brasileiras.
Não muito longe dali, no município de Cabo Verde, a água que mata a sede de homens e mulheres contratados temporariamente para a safra – os “safristas”, como são conhecidos no meio rural – está armazenada em um tanque antes utilizado como depósito de gasolina. No alojamento da propriedade, empregados precisam comprar o próprio fogão para preparar as refeições durante os meses da colheita. Tudo isso apesar de o empregador ter a obrigação de fornecer local adequado para o preparo de alimentos e água potável em condições higiênicas e livre de contaminação.
Em outra propriedade, em Campos Altos, 17 trabalhadores são resgatados de condições análogas à escravidão. No grupo há uma adolescente de 15 anos, que trabalhava ao lado de outros dois jovens, de 16 e 17 anos. Ferramentas básicas para a colheita de café, como luvas, botinas e panos para despejar os grãos, eram compradas pelos próprios trabalhadores – um item a mais na lista de descontos sobre seus salários.
Todas essas situações aconteceram em fazendas que possuem – ou possuíam até recentemente – o selo C.A.F.E. Practices2 (sigla para Coffee and Farmer Equity), programa de certificação da multinacional americana Starbucks, a maior rede de cafeterias do mundo, e que reúne “um conjunto de normas éticas” que seus fornecedores devem seguir.
Cultivado nestas fazendas, o grão é enviado para cooperativas e empresas regionais ou subsidiárias de empresas globais de commodities e poderá ter como destino final uma das mais de 35 mil lojas da Starbucks espalhadas por 83 países3.
Resultado de meses de investigação, esse especial da Repórter Brasil descreve situações que podem configurar violações trabalhistas e de direitos humanos relacionadas à cadeia produtiva da multinacional americana. As evidências mostram que a Starbucks, que promete “infinitas possibilidades de conexão humana4” a cada xícara, ainda têm um longo caminho a percorrer para garantir que o seu café, desde a origem, seja produzido e colhido em fazendas com condições de trabalho adequadas e garantia de renda digna.